Ler: Paixão Eterna

setembro 01, 2008

Comentário Literário

Aguardando o final dos comentários filosóficos a esse conto em http://aquitemfilosofiasim.blogspot.com/2008/08/filosofia-e-literatura-i-comentrios-ao.html, para em seguida começar meus comentários literários ao mesmo.
A Carteira
Machado de Assis


...DE REPENTE, Honório olhou para o chão e viu uma carteira. Abaixar-se, apanhá-la e guardá-la foi obra de alguns instantes. Ninguém o viu, salvo um homem que estava à porta de uma loja, e que, sem o conhecer, lhe disse rindo:

-- Olhe, se não dá por ela; perdia-a de uma vez.

-- É verdade, concordou Honório envergonhado.

Para avaliar a oportunidade desta carteira, é preciso saber que Honório tem de pagar amanhã uma dívida, quatrocentos e tantos mil-réis, e a carteira trazia o bojo recheado. A dívida não parece grande para um homem da posição de Honório, que advoga; mas todas as quantias são grandes ou pequenas, segundo as circunstâncias, e as dele não podiam ser piores. Gastos de família excessivos, a princípio por servir a parentes, e depois por agradar à mulher, que vivia aborrecida da solidão; baile daqui, jantar dali, chapéus, leques, tanta coisa mais, que não havia remédio senão ir descontando o futuro. Endividou-se. Começou pelas contas de lojas e armazéns; passou aos empréstimos, duzentos a um, trezentos a outro, quinhentos a outro, e tudo a crescer, e os bailes a darem-se, e os jantares a comerem-se, um turbilhão perpétuo, uma voragem.

-- Tu agora vais bem, não? dizia-lhe ultimamente o Gustavo C..., advogado e familiar da casa.

-- Agora vou, mentiu o Honório.

A verdade é que ia mal. Poucas causas, de pequena monta, e constituintes remissos; por desgraça perdera ultimamente um processo, cm que fundara grandes esperanças. Não só recebeu pouco, mas até parece que ele lhe tirou alguma cousa à reputação jurídica; em todo caso, andavam mofinas nos jornais.

D. Amélia não sabia nada; ele não contava nada à mulher, bons ou maus negócios. Não contava nada a ninguém. Fingia-se tão alegre como se nadasse em um mar de prosperidades. Quando o Gustavo, que ia todas as noites à casa dele, dizia uma ou duas pilhérias, ele respondia com três e quatro; e depois ia ouvir os trechos de música alemã, que D. Amélia tocava muito bem ao piano, e que o Gustavo escutava com indizível prazer, ou jogavam cartas, ou simplesmente falavam de política.

Um dia, a mulher foi achá-lo dando muitos beijos à filha, criança de quatro anos, e viu-lhe os olhos molhados; ficou espantada, e perguntou-lhe o que era.

-- Nada, nada.

Compreende-se que era o medo do futuro e o horror da miséria. Mas as esperanças voltavam com facilidade. A idéia de que os dias melhores tinham de vir dava-lhe conforto para a luta. Estava com, trinta e quatro anos; era o princípio da carreira: todos os princípios são difíceis. E toca a trabalhar, a esperar, a gastar, pedir fiado ou: emprestado, para pagar mal, e a más horas.
A dívida urgente de hoje são uns malditos quatrocentos e tantos mil-réis de carros. Nunca demorou tanto a conta, nem ela cresceu tanto, como agora; e, a rigor, o credor não lhe punha a faca aos peitos; mas disse-lhe hoje uma palavra azeda, com um gesto mau, e Honório quer pagar-lhe hoje mesmo. Eram cinco horas da tarde. Tinha-se lembrado de ir a um agiota, mas voltou sem ousar pedir nada. Ao enfiar pela Rua da Assembléia é que viu a carteira no chão, apanhou-a, meteu no bolso, e foi andando.


Durante os primeiros minutos, Honório não pensou nada; foi andando, andando, andando, até o Largo da Carioca. No Largo parou alguns instantes. Enfiou depois pela Rua da Carioca, mas voltou logo, e entrou na Rua Uruguaiana. Sem saber como, achou-se daí a pouco no Largo de S. Francisco de Paula; e ainda, sem saber como, entrou em um Café. Pediu alguma coisa e encostou-se à parede, olhando para fora. Tinha medo de abrir a carteira; podia não achar nada, apenas papéis e sem valor para ele. Ao mesmo tempo, e esta era a causa principal das reflexões, a consciência perguntava-lhe se podia utilizar-se do dinheiro que achasse. Não lhe perguntava com o ar de quem não sabe, mas antes com uma expressão irônica e de censura. Podia lançar mão do dinheiro, e ir pagar com ele a dívida? Eis o ponto. A consciência acabou por lhe dizer que não podia, que devia levar a carteira à polícia, ou anunciá-la; mas tão depressa acabava de lhe dizer isto, vinham os apuros da ocasião, e puxavam por ele, e convidavam-no a ir pagar a cocheira. Chegavam mesmo a dizer-lhe que, se fosse ele que a tivesse perdido, ninguém iria entregar-lha; insinuação que lhe deu ânimo.

Tudo isso antes de abrir a carteira. Tirou-a do bolso, finalmente, mas com medo, quase às escondidas; abriu-a, e ficou trêmulo. Tinha dinheiro, muito dinheiro; não contou, mas viu duas notas de duzentos mil-réis, algumas de cinqüenta e vinte; calculou uns setecentos mil-réis ou mais; quando menos, seiscentos. Era a dívida paga; eram menos algumas despesas urgentes. Honório teve tentações de fechar os olhos, correr à cocheira, pagar, e, depois de paga a dívida, adeus; reconciliar-se-ia consigo. Fechou a carteira, e com medo de a perder, tornou a guardá-la.
Mas daí a pouco tirou-a outra vez, e abriu-a, com vontade de contar o dinheiro. Contar para quê? era dele? Afinal venceu-se e contou: eram setecentos e trinta mil-réis. Honório teve um calafrio. Ninguém viu, ninguém soube; podia ser um lance da fortuna, a sua boa sorte, um anjo... Honório teve pena de não crer nos anjos... Mas por que não havia de crer neles? E voltava ao dinheiro, olhava, passava-o pelas mãos; depois, resolvia o contrário, não usar do achado, restituí-lo. Restituí-lo a quem? Tratou de ver se havia na carteira algum sinal. "Se houver um nome, uma indicação qualquer, não posso utilizar- me do dinheiro," pensou ele. Esquadrinhou os bolsos da carteira. Achou cartas, que não abriu, bilhetinhos dobrados, que não leu, e por fim um cartão de visita; leu o nome; era do Gustavo. Mas então, a carteira?... Examinou-a por fora, e pareceu-lhe efetivamente do amigo. Voltou ao interior; achou mais dois cartões, mais três, mais cinco. Não havia duvidar; era dele.


A descoberta entristeceu-o. Não podia ficar com o dinheiro, sem praticar um ato ilícito, e, naquele caso, doloroso ao seu coração porque era em dano de um amigo. Todo o castelo levantado esboroou-se como se fosse de cartas. Bebeu a última gota de café, sem reparar que estava frio. Saiu, e só então reparou que era quase noite. Caminhou para casa. Parece que a necessidade ainda lhe deu uns dois empurrões, mas ele resistiu.

"Paciência, disse ele consigo; verei amanhã o que posso fazer."

Chegando a casa, já ali achou o Gustavo, um pouco preocupado e a própria D. Amélia o parecia também. Entrou rindo, e perguntou ao amigo se lhe faltava alguma coisa.

-- Nada.

-- Nada?

-- Por quê?

-- Mete a mão no bolso; não te falta nada?

-- Falta-me a carteira, disse o Gustavo sem meter a mão no bolso. Sabes se alguém a achou? -- Achei-a eu, disse Honório entregando-lha.

Gustavo pegou dela precipitadamente, e olhou desconfiado para o amigo. Esse olhar foi para Honório como um golpe de estilete; depois de tanta luta com a necessidade, era um triste prêmio. Sorriu amargamente; e, como o outro lhe perguntasse onde a achara, deu-lhe as explicações precisas.

-- Mas conheceste-a?

-- Não; achei os teus bilhetes de visita.

Honório deu duas voltas, e foi mudar de toilette para o jantar. Então Gustavo sacou novamente a carteira, abriu-a, foi a um dos bolsos, tirou um dos bilhetinhos, que o outro não quis abrir nem ler, e estendeu-o a D. Amélia, que, ansiosa e trêmula, rasgou-o em trinta mil pedaços: era um bilhetinho de amor.

agosto 18, 2008

A Literatura em Tempos de Cultura de Massa

As modernas sociedades industriais e urbanizadas substituiram aos poucos as diversões literárias aristocráticas por diversões não literárias burguesas. Até o Séc. XVIII, uma das diversões mais freqüentes e animadas das classes ricas eram os saraus literários. Ali se reuniam os membros de famílias ilustres e os detentores de cargos de governo ou títulos de nobreza, com o propósito de ler em voz alta as poesias mais recentes e comentar os romances da época. Uma vasta cultura literária era item básico de boa educação, e interessar-se pelas novas obras e autores rendia a homens e mulheres uma reputação de refinamento.

Após as Revoluções Burguesas, os saraus caíram em desuso. Identificadas com o ócio e a ostentação da nobreza parasitária, essas sessões literárias se tornaram um hábito preservado em segredo por poucas famílias de origem nobiliárquica. Os novos ricos, provindos das classes populares e carentes da educação refinada, impunham uma nova escala de valores em que o trabalho e a riqueza valiam mais que a cultura e a sofisticação, uma escala de valores em que a ignorância e rudeza eram subitamente alçadas à condição de virtudes. A Literatura passou a ser considerada uma atividade supérflua e efeminada, reservada apenas aos apaixonados e às mulheres, que tinham disposição e tempo disponível para estas coisas. Para os homens, donos de negócios, industriais, banqueiros e comerciantes, contudo, confessar-se desconhecedor de Shakespeare e de Goethe era ao mesmo tempo um sinal de ausência de afetação e de tino para as coisas úteis e produtivas.

Essa atmosfera antiliterária do Séc. XIX criou o cenário apropriado para a maior tragédia da cultura contemporânea, que foi a substituição da arte pelo entretenimento. O paradima das horas de lazer não eram mais os saraus e bailes, mas sim as festas e jantares. As músicas passaram a ser compostas com vista à animação das danças e as comédias eram encenadas para fazer rir. Em vez da elevação do espírito e do refinamento dos gostos, o que se buscava agora era a excitação e o entorpecimento dos sentidos. Tudo muito de acordo com o esvaziamento da concepção de ethos nobre e com a substituição da noção de felicidade como virtude pela de felicidade como prazer.

Essa nova ordem da cultura, esse aburguesamento dos costumes, chegou ao seu apogeu quando os novos meios de comunicação de massa, o cinema e a televisão, trocaram o texto pela imagem e implantaram a ditadura do imediato. Agora nada era real se não fosse visto e tudo que fosse visto era real. A avalanche de imagens atrofiava a imaginação, a explosão de cores e sons insensibilizava os sentidos. Aos poucos os espectadores se tornaram consumidores passivos de uma dramaturgia popular de baixa qualidade e nenhuma profundidade. À medida que os filmes de cinema e os programas de TV queriam audiência em quantidade, e não excelência em qualidade, se tornaram cada vez mais espelhos dos preconceitos, dos sonhos e dos medos do público, uma espécie de versão materializada do imaginário coletivo. O público não era incomodado, desafiado, convidado à reflexão ou à crítica; era, sim, adulado e lisonjeado em suas crenças e vontades.

Anunciava-se a morte iminente da leitura, a aposentadoria inevitável da escrita. Parecia questão de tempo até que os museus e os livros de história se tornassem os locais adequados para as obras literárias. No entanto, as letras resistiram, sobreviveram à cultura de massa e seguiram encantando e deleitando um público seleto, pequeno, fiel. É verdade que a literatura ganhou a companhia da indústria editorial, dessa fábrica de "best sellers" e de autores da moda, livros capazes de cativar multidões não porque fogem à cultura da excitação, da novidade, do lugar-comum, mas, ao contrário, exatamente porque aderem a ela. A indústria editorial é a prima prostituída da Literatura, que goza de seu antigo apelo e prestígio na mesma medida em que carece de sua sofisticação e profundidade.

A Literatura, a verdadeira Literatura, ainda segue sendo um artigo reservado aos poucos gostos refinados que sobrevivem à magia de Circe das telas de cinema e TV. Mas esses heróis anônimos não estão mais reunidos, fazendo saraus e compartilhando suas experiências literárias. Estão espalhados pelo mundo, solitários e cercados pelo ambiente hostil de uma massa antiliterária. Precisam cultivar a leitura das obras clássicas e dos novos autores como um hobby privado, mais ou menos sigiloso e tímido, tateando sem orientação num labirinto de estilos e épocas. São poucos, pouquíssimos os que contam com familiares, amigos ou professores que podem fornecer-lhes o caminho seguro da formação literária, que os introduz num universo maravilhoso de cultura que, quanto mais treina a sua imaginação e desperta a sua sensibilidade, tanto mais as torna impacientes e inclementes com as diversões ordinárias. Literatura e cultura de massa, texto e imagem, originalidade e lugar-comum, profundidade e excitação se encontram em conflito e concorrência.

julho 28, 2008

Apenas olhar não basta

Peço aos meus queridos amigos visitantes que deixem postagens de comentários.

Kakfa, "Der Process" e "Die Verwandlung"

Dois dos meus inícios favoritos, frases que valem por meia história.

Jemand mußte Josef K. verleumdet haben, denn ohne daß er etwas Böses getan hätte, wurde er eines Morgens verhaftet.

(Alguém deve ter traído Josef K., pois uma manhã ele foi preso sem ter feito nada de errado)

Als Gregor Samsa eines Morgens aus unruhigen Träumen erwachte, fand er sich in seinem Bett zu einem ungeheueren Ungeziefer verwandelt.

(Uma manhã, quando Gregor Samsa acordava de sonhos agitados, encontrou-se na cama transformado num inseto monstruoso)

The merchant of Venice

Em "O mercador de Veneza", Shylock é realmente o vilão? O antipático judeu quer tirar uma libra de carne do herói apenas por capricho, sem outra razão que o justifique. Para isso se serve da letra da lei, da letra do contrato que Antônio assinara com ele. Não aceita receber agora o dinheiro que lhe deveria ter sido pago antes. Quer a libra de carne, mesmo que assim leve à morte a vítima da qual a exige. Shylock é uma crítica aos homens maus que distorcem as leis segundo seus interesses e as usam para obter os resultados mais mesquinhos e absurdos? Nesse sentido seria a exceção, o mau uso da lei. Ou é uma crítica às próprias leis, cegas como são, incapazes de distinguir circunstâncias, de vislumbrar nuances de apreciação? Nesse sentido seria o normal, o uso mesmo da lei. Qual será?

You’ll ask me why I rather choose to have
A weight of carrion flesh than to receive
Three thousand ducats. I’ll not answer that,
But say it is my humour: is it answer’d?
What if my house be troubled with a rat,
And I be pleas’d to give ten thousand ducats
To have it ban’d? What, are you answer’d yet?
Some men there are love not a gaping pig;
Some that are mad if they behold a cat;
And others, when the bagpipe sings i’ the nose,
Cannot contain their urine; for affection,
Mistress of passion, sways it to the mood
Of what it likes or loathes. Now, for your answer:
As there is no firm reason to be render’d,
Why he cannot abide a gaping pig;
Why he, a harmless necessary cat;
Why he, a wauling bagpipe; but of force
Must yield to such inevitable shame
As to offend, himself being offended;
So can I give no reason, nor I will not,
More than a lodg’d hate and a certain loathing
I bear Antonio, that I follow thus
A losing suit against him. Are you answered?

Que é literatura?

Questão antiga, para a qual toda resposta se arrisca ou ao clichê ou ao ridículo. Prefiro dizer que literatura é qualquer coisa que uma pessoa escreve e outra pessoa acha belo e importante o bastante para ser guardado, relido, estudado, apreciado. Por imprecisa que seja, gosto dessa definição, ou desse arremedo de definição. Digam-me o que pensam a respeito.

Pourquoi ouvrir un blog

Pourquoi ouvrir un blog ? Bien, mes raisons ne sont pas claires ni même pour moi. Peut-être c'est parce que le service était disponible et était gratuit, ou peut-être parce que, dans le fond, je nourrisse un espoir éloigné dont autres personnes apprécient quelque chose dont j'ai à dire. Je ne sais pas bien. Mais la vérité est que je l'ai ouvert, et maintenant mon obligation de poster ici s'est rendue une réalité concrète. Que je coexiste avec le fardeau avec lequel j'ai plié mes propres épaules.

Proust

Combien à mes occupations littéraires plus récentes, j'arrime en relisant Proust, particulièrement "Du côté de chez Swann". La magie de cette oeuvre sucrée et en même temps aussi finement amère m'a emballé les après-midi du dernier été. Proust est un de ces auteurs qui ne s'appréhendent pas appropriéement dans la première lecture, mais ni restent encore les mêmes dans la seconde lecture ou dans les ultérieurs. C'est comme si toute la maturation de notre vie était une espèce de préparation graduelle pour absorber les textes de Proust avec plus saveur et l'enchantement. Je ne peux pas imaginer un moment dans ma vie où j'aurai absorbé beaucoup de sa inépuisable richesse poétique. Je suis certain que, après mon décès - un instant après m'y avoir donné compte du nouveau monde brumeux où me je trouve - mes yeux seront attaqués par la vision perturbatrice de Proust, en m'indiquant le doigt impitoyablement, en me disant que je suis mort tôt excessivement, que j'ai laissé ce monde avant il pouvait me communiquer toute son message.

Longtemps, je me suis couché de bonne heure. Parfois, à peine ma bougie éteinte, mes yeux se fermaient si vite que je n’avais pas le temps de me dire : « Je m’endors. » Et, une demi-heure après, la pensée qu’il était temps de chercher le sommeil m’éveillait ; je voulais poser le volume que je croyais avoir encore dans les mains et souffler ma lumière ; je n’avais pas cessé en dormant de faire des réflexions sur ce que je venais de lire, mais ces réflexions avaient pris un tour un peu particulier ; il me semblait que j’étais moi-même ce dont parlait l’ouvrage : une église, un quatuor, la rivalité de François Ier et de Charles-Quint. Cette croyance survivait pendant quelques secondes à mon réveil ; elle ne choquait pas ma raison, mais pesait comme des écailles sur mes yeux et les empêchait de se rendre compte que le bougeoir n’était pas allumé. Puis elle commençait à me devenir inintelligible, comme après la métempsycose les pensées d’une existence antérieure ; le sujet du livre se détachait de moi, j’étais libre de m’y appliquer ou non ; aussitôt je recouvrais la vue et j’étais bien étonné de trouver autour de moi une obscurité, douce et reposante pour mes yeux, mais peut-être plus encore pour mon esprit, à qui elle apparaissait comme une chose sans cause, incompréhensible, comme une chose vraiment obscure. Je me demandais quelle heure il pouvait être ; j’entendais le sifflement des trains qui, plus ou moins éloigné, comme le chant d’un oiseau dans une forêt, relevant les distances, me décrivait l’étendue de la campagne déserte où le voyageur se hâte vers la station prochaine ; et le petit chemin qu’il suit va être gravé dans son souvenir par l’excitation qu’il doit à des lieux nouveaux, à des actes inaccoutumés, à la causerie récente et aux adieux sous la lampe étrangère qui le suivent encore dans le silence de la nuit, à la douceur prochaine du retour.